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segunda-feira, 16 de junho de 2008

OS ARTIGOS 47 E 1.015 DO NOVO CÓDIGO CIVIL E A TEORIA ULTRA VIRES

Em seus comentários sobre o Direito de Empresa e sobre as Disposições
Gerais do Título II – Das Pessoas Jurídicas, do novo Código Civil, juristas e
advogados comercialistas vêm concentrando suas críticas no art. 50, que trouxe
nova roupagem para a teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
De fato, a teoria da disregard of legal entity, surgida na Inglaterra, figurou pela
primeira vez em texto legal brasileiro no Código de Proteção e Defesa do
Consumidor (Lei n. 8.078/90, art. 28). Em seguida, a Lei Antitruste (Lei n. 8.884/94),
que dispôs sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem
econômica, tratou da matéria no art. 18, de forma semelhante ao Código do
Consumidor. Também a Lei n. 9.605/98 (que dispõe sobre as sanções penais e
administrativas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente) prevê, em seu
art. 4o, a desconsideração da personalidade jurídica sempre que esta seja obstáculo
ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.
Essas três leis já haviam extrapolado os parâmetros originais da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica, prevendo sua aplicação em hipóteses
que ultrapassavam os simples casos de abuso de direito e fraude. E
o art. 50 do novo Código Civil veio somar-se a tais dispositivos, permitindo a
aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica sob novos
fundamentos.

Com toda essa diversidade legislativa sobre um mesmo tema, parece ter
ficado esquecido o art. 47 do novo Código, que cuida da responsabilidade da
pessoa jurídica por atos de seus administradores, prescrevendo que “obrigam a
pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus
poderes definidos no ato constitutivo”.
O verdadeiro alcance desse dispositivo, especialmente numa interpretação a
contrario sensu – ou seja, os atos exercidos fora dos limites dos poderes dos
administradores não obrigariam a pessoa jurídica –, merece maior reflexão, na
medida em que parece reafirmar, no direito brasileiro, a ultrapassada teoria ultra
vires.
Segundo a teoria ultra vires, originária do direito inglês, exonera-se a
sociedade de responsabilidade por atos praticados pelos administradores que não
se enquadrem dentro do objeto da sociedade
Esse objeto, segundo aquela teoria, há de compreender a idéia de atividade e
fim. Assim, os atos praticados fora do âmbito do objeto social seriam ineficazes em
relação à sociedade, não gerando obrigações para a sociedade nem direitos para
terceiros.
No século XIX, a legislação norte-americana que regulamentava as
companhias exigia objeto restrito e poderes limitados para os administradores. Com
o crescimento de tais empresas, os tribunais, preocupados com o poder econômico
decorrente daquela invenção capitalista, utilizaram a doutrina ultra vires para
invalidar transações que viessem a ser feitas pelos administradores fora dos estritos
poderes conferidos pelo estatuto da companhia (cf. Palmiter1).
Nas primeiras decisões sobre o tema, os tribunais norte-americanos aplicavam
a doutrina ultra vires com vigor. Assim, sempre que uma transação fosse além do
objeto da sociedade ou dos poderes dos administradores previstos no estatuto da
companhia, qualquer das partes contratantes poderia invalidar o contrato, mesmo
após o cumprimento total ou parcial da obrigação pela outra parte (cf. Palmiter2).
Posteriormente, as cortes norte-americanas começaram a perceber a
insegurança jurídica gerada pela adoção desse entendimento, com danosas
repercussões sobre os negócios em geral, passando, por isso, a, por um lado,
somente admitir a invocação da teoria ultra vires em casos em que a obrigação não
tivesse ainda sido cumprida, e, por outro lado, a interpretar os contratos e estatutos
das sociedades com mais flexibilidade, reconhecendo a responsabilidade da
empresa por obrigações assumidas nas condições acima referidas, mas que se
pudessem entender razoavelmente relacionadas com o objeto social.
Com a evolução desse entendimento, a tendência que passou a prevalecer no
direito norte-americano foi a de eliminar os vestígios de incapacidade das pessoas
jurídicas. O princípio então seguido foi o de que nem a pessoa jurídica nem quem
com a ela negocie podem se eximir de compromissos contratualmente assumidos,
cumpridos ou ainda por cumprir, mediante a simples invocação da teoria ultra vires.
No Brasil, a lei não previu os efeitos dos atos ultra vires, entendendo a
doutrina, tal como na orientação norte-americana atual (e de forma diversa da
orientação anterior, que considerava nulos e ineficazes, perante a sociedade, os
atos praticados além do objeto social), que aqueles atos são válidos e geram
responsabilidade para a sociedade.
Segundo Celso Barbi Filho, para quem a doutrina ultra vires está em
decadência: "atos ultra vires não se confundem com teoria ultra vires. São ultra vires
não apenas os atos que excedem ao objeto social, mas também aqueles que, não
sendo indispensáveis à realização do objeto social, não são expressamente
autorizados pelo estatuto. Como também os atos de qualquer natureza por ele
vedados. Quando uma sociedade, por meio de seus administradores, praticar atos
contrários ou excedentes ao objeto social, não expressamente permitidos ou
vedados pelo estatuto, responderá perante aqueles que, de boa-fé, sofreram
prejuízos; sejam acionistas, sócios, credores, concorrentes ou terceiros direta ou
indiretamente prejudicados. Assim, a sociedade responde perante terceiros, o
administrador responde perante a sociedade, e ao sócio ou acionista fica
1 PALMITER, Alan R., SOLOMON, Lewis D. Corporations examples and explanations. United
States of America: Aspen Law and Business, 1999. p. 45. Texto original: “In the nineteenth
century, state legislatures chartered American corporations for narrow purposes and with limited
powers. Concerned by the economic power this capitalist invention could wield, early courts
fashioned the ‘ultra vires doctrine’ to invalidate corporate transactions beyond the powers stated in
the corporation’s charter.”
2 PALMITER, Alan R., SOLOMON, Lewis D. Corporations examples and explanations. Cit., p. 45.
Texto original: “Early courts applied the ultra vires doctrine with vigor. Whenever a transaction was
beyond the corporation’s limited purposes or powers, either party to the contract could disaffirm it,
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ressalvado o direito à dissolução parcial ou à retirada. A sociedade só não
responderá quando puder provar a má-fé de quem pretende responsabilizá-la".3
Esse entendimento coaduna-se com o adotado pelo Superior Tribunal de
Justiça no julgamento do REsp n. 12666-0, em que reconheceu a responsabilidade
da sociedade por ato do sócio-gerente praticado com violação do contrato: “O ato
do sócio-gerente, com violação do contrato, obriga a sociedade perante terceiro de
boa-fé. Inteligência do art. 10 do Decreto n. 3.708/19. Recurso especial conhecido
e provido”.4
No seu voto, o Ministro Nilson Naves endossou entendimento contido em
precedente segundo o qual “o aceite ou aval lançado por um único diretor obriga a
sociedade perante terceiro de boa fé...”, concluindo pela responsabilidade da
sociedade pelo ato do administrador.
Contra esse entendimento, tem-se, agora, o art. 47 do novo Código, dispondo,
por forçosa interpretação a contrario sensu, que não obrigam a pessoa jurídica os
atos dos administradores praticados fora dos limites estabelecidos no contrato
social.
Mas, como se apenas o art. 47 não fosse suficiente, também o art. 1.015,
tratando das sociedades simples, reforça o princípio da responsabilidade pessoal
do administrador (e não da pessoa jurídica), ao dispor que, “no silêncio do contrato,
os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da
sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis
depende do que a maioria dos sócios decidir”.
O parágrafo único do art. 1.015 prevê que “o excesso por parte dos
administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma
das seguintes hipóteses: I – se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada
no registro próprio da sociedade; II – provando-se que era conhecida do terceiro; III
– tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade”.
É curiosa, aliás, a redação adotada no parágrafo único para a enumeração
das hipóteses de desobrigação da sociedade por excesso do administrador: ao
mesmo tempo em que o inciso I fala da limitação de poderes averbada no registro
próprio da sociedade, o inciso II alude, como hipótese distinta, a prova do
conhecimento pelo terceiro. Haveria, então, uma situação inusitada, em que a
limitação de poderes não estaria inscrita ou averbada no registro próprio, mas
poderia ser conhecida do terceiro. Como isso pode ocorrer, na prática, ainda não se
sabe. Pois se o contrato social ou estatuto não contém limitação de poderes, como
é que o terceiro de boa-fé pode “conhecer” outras limitações ou inferir o que ali não
está escrito? Além disso, o inciso II parece ser inócuo, pois, se o ato está inscrito ou
averbado no registro próprio, o conhecimento do terceiro já seria presumido, não
exigindo prova do fato pela sociedade.
even after the other party’s full or partial performance.”
3 BARBI FILHO, Celso. Apontamentos sobre a teoria “ultra vires” no direito societário brasileiro.
Revista Forense, São Paulo, v. 305 (Separata), p. 22-28, 1990. p. 28.
4 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 3. T. Recurso Especial n. 1989/0012666-03, rel. Min.
Nilson Naves, j. 13-3-90, DJU, 1990.
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Na verdade, as regras do art. 1.015 terminam por reforçar o que está no art. 47
e, não obstante estejam no capítulo das sociedades simples, poderão também ser
aplicadas às sociedades limitadas, dependendo do contrato social.
Assim, se já antes se impunha ao terceiro de boa-fé que contratasse com
sociedade o cuidado de examinar os respectivos documentos societários, esse
cuidado deverá ser redobrado a partir de agora, sob pena de poder a sociedade
pretender exonerar-se da obrigação assumida por seu administrador, com base nos
dispositivos aqui examinados.
Não se pode prever, com segurança, a interpretação que será conferida pelos
tribunais aos dois citados artigos. Mas é certo que, com o que neles está disposto,
introduz-se, no direito positivo brasileiro, a teoria ultra vires.
E parece inacreditável, mas toda a construção doutrinária anterior – que
reconhecia os efeitos negativos da aplicação daquela teoria sem um critério que
prestigiasse o terceiro de boa-fé – corre o risco de ser jogada por terra.
Dessa forma, como a matéria não foi ainda suficientemente debatida, fica aqui
colocada para comentários.


Lucila de Oliveira Carvalho
Advogada em Belo Horizonte,
sócia de Advocacia Raul de Araújo Filho

fonte: www.adraf.com.br

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